Cinema Cásino





15.11.2014 - 22.02.2015

24ª Mostra do Programa de Exposições
Centro Cultural São Paulo
São Paulo, Brasil











Bárbara Wagner e Benjamin de Burca
CINÉMA CASINO, 2013
Video-instalação em 2 canais /
2-channel video installation
HD, cor, som / HD, colour, sound. 20min15s
La Réunion, France


 


São Paulo, 10 de dezembro de 2014

No último fim de semana aconteceu a segunda edição do torneio K-Pop Dance Tournament nas dependências do Centro Cultural São Paulo. Chegamos atrasados como de costume e perdemos a abertura e algumas apresentações iniciais, o que não prejudicou a apreensão da atmosfera daquele domingo chuvoso. A sala Adoniran Barbosa é dividida por dois pisos, ficamos na parte superior e estrategicamente de frente para os grupos, vista privilegiada para os passos sincronizados. No palco, dançarinos devidamente caracterizados se apresentavam sob olhares atentos e gritos da platéia formada por jovens e alguns pais, do lado de fora da sala, outros tantos se amontoavam em frente aos vidros e disputavam o espaço para ensaiar suas coreografias. Era o grande dia do torneio, todos aqueles que se apresentavam ali já haviam sido selecionados por um júri que avaliou suas performances registradas em vídeo. A premiação era composta por revistas, pôsteres, colares, DVDs, álbuns, camisetas, sessões de fotos, gravações de vídeoclipes e, sem dúvida, o reconhecimento da vitória por seus pares. Espremidos entre as quase novecentas pessoas presentes no evento, tentávamos compreender o que representava aquilo tudo para tais grupos. Uma menina que estava sentada ao nosso lado nos falou um pouco sobre a onda hallyu - algo como uma invasão da cultura da Coréia do Sul em diversas partes do mundo, além do K-Pop, novelas (ou dramas) e filmes integram o conjunto de manifestações cultuadas pelos jovens.

K-Pop é uma abreviação de (música) pop coreana, é um gênero originário da Coréia do Sul e que se caracteriza por uma variedade de elementos audiovisuais e comportamentais: dança, música e cultura. O termo pode não soar tão familiar, mas no Centro Cultural São Paulo ele é recorrente. A estrutura do CCSP é usada por jovens para encontros e ensaios das coreografias de seus ídolos que são repetidas ad infinitum diante dos vidros que percorrem boa parte do prédio - mini caixas de som são usadas para a execução das canções, também são utilizados computadores com videoclipes que são repetidos pelos dançarinos em espelhamento.

No corredor de acesso à sala Adoniran Barbosa, mesma sala do torneio de K-Pop, Bárbara Wagner e Benjamin de Búrca apresentam o projeto Cinéma Casino na III Mostra do Programa de Exposições 2014. O filme é projetado no vidro da sala que, durante o domingo do torneio, foi engolido pelas circunstâncias. As camadas sobrepostas de imagens - dança, cultura, vidros, música, performers e silhuetas se integraram ao trabalho da dupla. O que era para ser um problema à  projeção, não o é, pelo contrário, o trabalho logra o seu papel ao mimetizar-se com o funcionamento da instituição, não está no espaço apenas tomando o lugar dos dançarinos, mas tentando fazer parte da mesma estrutura. Se no contexto do CCSP e do Ocidente o K-Pop é um corpo introjetado em uma outra cultura, do mesmo modo o estilo e dança advindos da indústria de consumo global se inserem nas danças tradicionais da Ilha de Reunião, como podemos ver em Cinéma Casino.

Ao fim do torneio, fomos assistir mais uma vez ao vídeo e notamos que aquele espaço externo agora funcionava sob uma outra dinâmica. Ao invés de escolherem as áreas mais espaçosas do corredor, os performers se concentravam em frente aos vidros onde havia a aplicação de vinil de alumínio feita por Bárbara e Benjamin, tal ação reconfigurou o espaço de dança e de circulação dos que passavam por ali. Se há um deslocamento do trabalho para fora do espaço destinado às exposições do CCSP no momento em que concentra sua atuação em uma área de passagem do prédio, ele também se dá quando os artistas inserem partes do mesmo vídeo nas vinhetas que precedem a exibição dos filmes da programação de cinema do CCSP ou quando propõem, junto à programação de dança da instituição, um encontro/performance com teóricos e dançarinos.

Cinéma Casino assume um formato peculiar, o formato de um trabalho que migra por diversos ambientes dentro do contexto do CCSP na busca por uma interlocução com públicos distintos. Essa migração surge talvez por uma vontade de ver o trabalho se realizando não somente em sua produção mas também em sua exibição, pois a discussão do que é a cultura popular passa, necessariamente, pelas pessoas - e exige necessariamente uma expansão para além do público de artes visuais. Dessa forma,  a leitura do trabalho se distancia de um padrão que dá  previsibilidade ao comportamento do público: este se relaciona de formas diversas sem o peso do “espaço da arte”. Essa leveza se faz presente no vídeo através das falas dos dançarinos que parecem extraídas de uma conversa informal entre eles (artistas e convidados), mas encontra seu contraponto na tensão estabelecida entre a defesa pela cultura tradicional por um grupo e a celebração da cultura pop por outro. O corpo parece dotado de um poder que ultrapassa o da fala e a dança surge como o próprio argumento do discurso, as imagens intercaladas das performances nos dão a sensação de que assistimos a um longo debate - que certamente não se encerrará ao fim do vídeo.