Flamboyanzinho, Flor-de-pavão,
Flamboyant-mirim, Barba-de-barata




co-curated with Renan Araujo

Andreia Santana
Candice Lin
Castiel Vitorino Brasileiro
Cecilia Bengolea
E. M. de Melo e Castro
Sarah Ancelle Schönfeld
Thiago Correia Gonçalves
Artefactos dos séculos XVII e XVIII
(Anel com compartimento secreto para conter venenos e Pedra de Bezoar 
ambos pertencentes ao Museu da Farmácia de Lisboa)
Pedra de Xangô (Salvador, Brasil)
Farmácia Barreto
Jardim Botânico

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Galerias Municipais de Lisboa, Portugal
---- 06.11.2021 - 29.01.2022




    
© João Paulo Serafim



Flamboyanzinho, Flor-de-pavão, Flamboyant-mirim, Barba-de-barata, curated by Julia Coelho and Renan Araujo, is a collective exhibition that takes as its starting point the performativity of Caesalpinia pulcherrima given by its toxic and curative properties. Flamboyanzinho, Flor-de-pavão, Flamboyant-mirim, Barba-de-barata are some of the popular names by which Caesalpinia pulcherrima is known in Brazil. While poison brings us closer to death, depending on the dose, it can also work as a cure.

Together with the other works and artefacts gathered in the show, these properties help us reflect on notions of transit, be they oceanic, psychic, metabolic, subterranean, hormonal, poetic or cultural. The exhibition includes pieces from various artists and museum collections and documentation from various sacred places: Andreia Santana, Candice Lin, Castiel Vitorino Brasileiro, Cecilia Bengolea, E. M. de Melo e Castro, Sarah Ancelle Schönfeld, Thiago Correia Gonçalves, artefacts from the 17th and 18th centuries (A ring with secret compartment for poisons and a Bezoar Stone, both belonging to the Lisbon Pharmacy Museum), the Xangô Stone (Salvador, Brazil), the Barreto Pharmacy and the Botanical Garden of Lisbon.

Like other native species of South and Central America and the Caribbean, the “Flamboyanzinho” was adopted in Europe from the 17th century onwards for its commercial and scientific qualities. On American soil, the “Flor-de-pavão” formed part of a network of exchange between African and indigenous women, who, as one of the strategies of resistance to the colonial slave regime, used the toxicity of the plant’s seeds to perform abortions. When it crossed the ocean, the “Flamboyant-mirim” became part of another network, dissociated from its history of alliances in insurgency movements, and considered a flower of high economic value due to the beauty of its flamboyant colours and forms. The toxic, curative, and performative properties of the “Barba-de-barata”, like those of other migrant plant species, played an important role in the political and social dynamics of the colonial period. Together with the other works and artefacts gathered in this exhibition, these properties now help us reflect on notions of transit, be they oceanic, psychic, metabolic, subterranean, hormonal, poetic or cultural.

If, on the one hand, we can link toxic substances to strategies of maintaining life through death, we can also understand such substances through the prism of their regenerative power in healing and rituals, whether to provide pleasure and nutrition to the body, or to facilitate contact with the divine. Methods for handling such poisonous substances can be preserved for centuries in the form of recipes, songs, and sayings. Intergenerational transmission of such knowledge is not limited to the organs of speech and hearing, but encompasses the totality of the body, which carries ancestral memories of pleasure and pain. These memories, which may also be understood as a space for the preservation of knowledge, as a living archive, are transformed as they are socialised, potentially resulting in therapeutic processes and of production of meanings.

Within the exhibition, these alkaloids derived from poisonous plants serve as guides and stimulate us to consider the conditions that have kept living beings, facts and objects invisible in certain social contexts: a ring with a secret compartment for poisons that was worn by an Italian nobleman, and forms of illegal gambling introduced in the Caribbean by working class Cuban-Chinese migrants. As they can only be experienced by humans through ingestion, these alkaloids react in the dark and highly complex environment inside us. The exterior-interior transit of ingestion is inverted in the case of the Bezoar Stone, a mineral compound formed in the stomach and urinary tracts of ruminant animals and used in Europe from the Middle Ages as an antidote against all poisons, and carried in many rings, bracelets, and necklaces as a magical and precious amulet. Similar patterns of exchange structure the history of the Xangô Stone, a sacred Afro-Brazilian natural monument located in the city of Salvador in the state of Bahia, Brazil. The stone served as an escape route for enslaved people crossing its underwater passage, allowing them to access a realm beyond the reach of manorial power.

Oceanic crossings enabled cultural appropriations and exchanges in which the action and meaning of migrant substances were given new contexts, variously contributing to the construction of diasporic cultures, or generating wealth for dominant groups. The exhibition is continued in two other spaces which embody systems of thinking and operating that were enhanced by the extractivist colonial system: The Botanical Garden and the Pharmacy. From the specific context of the city of Lisbon, these two sites allow us to reflect on the issues raised at Galeria Boavista that relate to the processes of circulation, ritualisation, transformation, commercialisation and institutionalisation of objects and knowledge related to the natural world.



texts by
Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Coelho, Renan Araujo, Thiago Gonçalves, Tobi Maier

published by
© Galerias Municipais/EGEAC 2022


graphic design
Márcia Novais, assisted by Miguel Filipe Ferreira

photography
João Paulo Serafim

translation and proofreading
Martin Dale

print run
300

isbn 978-989-8763-69-3

legal deposit
494522/22

price
15 €





Flamboyanzinho, Flor-de-pavão, Flamboyant-mirim, Barba-de-barata, com curadoria de Julia Coelho e Renan Araujo, é uma exposição coletiva que toma como ponto de partida o caráter performativo da Caesalpinia pulcherrima dado por suas propriedades venenosas e curativas. Flamboyanzinho, Flor-de-pavão, Flamboyant-mirim, Barba-de-barata, são alguns dos nomes populares pelos quais a Caesalpinia pulcherrima é conhecida no Brasil. O veneno nos aproxima da morte, mas dependendo da dose, pode ser a cura.

Tais propriedades nos auxiliarão, junto às obras e artefatos reunidos na exposição, a refletir sobre trânsitos, sejam eles oceânicos, psíquicos, metabólicos, subterrâneos, hormonais, poéticos e culturais. A exposição conta com peças de artistas, acervos de museus e documentação de lugares sagrados: Andreia Santana, Candice Lin, Castiel Vitorino Brasileiro, Cecilia Bengolea, E. M. de Melo e Castro, Sarah Ancelle Schönfeld, Thiago Correia Gonçalves, artefactos dos séculos XVII e XVIII (Anel com compartimento secreto para conter venenos e Pedra de Bezoar, ambos pertencentes ao Museu da Farmácia de Lisboa), Pedra de Xangô (Salvador, Brasil), Farmácia Barreto e Jardim Botânico.

Como outras espécies vegetais originárias das Américas do Sul, Central e Caribe, a Flamboyanzinho foi incorporada na Europa a partir do século XVII devido aos seus valores comerciais e científicos. Em solo americano, a Flor-de-pavão integrava uma rede de trocas entre mulheres africanas e indígenas que, como estratégia de resistência ao regime colonial escravista, serviam-se do poder abortivo dado pelo potencial tóxico de suas sementes. Ao cruzar o oceano, a Flamboyant-mirim passava a integrar uma outra rede, onde era dissociada de seu histórico de alianças em movimentos de insurgência e considerada uma flor de alto valor econômico pela beleza de suas cores e formas flamejantes. As propriedades venenosas, curativas e performativas da Barba-de-barata, assim como de outras espécies vegetais migrantes, exerceram um papel ativo nas dinâmicas políticas e sociais do período colonial. Tais propriedades agora nos auxiliarão, junto às obras e artefatos reunidos na exposição, a refletir sobre trânsitos, sejam eles oceânicos, psíquicos, metabólicos, subterrâneos, hormonais, poéticos ou culturais.

Se podemos vincular substâncias tóxicas a estratégias de manutenção da vida através da morte, também podemos entendê-las a partir do seu poder regenerativo atuando em cicatrizações, em rituais, proporcionando prazer e nutrição ao corpo ou facilitando o contato com a esfera do divino. O manejo consciente de substâncias venenosas pode ser preservado por séculos por meio da tradição oral, em receitas culinárias, cantigas ou ditados. Essa transmissão intergeracional não se reduz apenas aos órgãos da boca e ouvidos, mas alcança a totalidade do corpo, que carrega em si uma memória ancestral dotada de experiências de prazer e dor. Tal memória, que também pode ser entendida como um espaço de preservação de saberes, é viva, e transforma-se na medida em que é socializada, podendo resultar ao mesmo tempo em processos terapêuticos e de produção de sentidos.

Dentro da exposição, os alcaloides derivados de plantas venenosas nos servem como guias e nos estimulam a pensar nas condições que mantiveram invisíveis seres vivos, fatos e objetos em contextos sociais. Um anel com um compartimento secreto para venenos que vestia as mãos de um homem da nobreza italiana ou jogos de azar ilegais de origem migrante amplamente difundidos entre classes trabalhadoras cubano-chinesas no Caribe. Por serem perceptíveis aos humanos apenas através de sua ingestão, tais alcaloides reagem no interior de nosso organismo em um ambiente escuro da mais alta complexidade. Esse trânsito exterior-interior da engolição se reverte quando pensamos na Pedra de Bezoar, um composto mineral formado no estômago e nas vias urinárias de animais ruminantes que era utilizado na Europa desde a Idade Média como um antídoto contra todos os venenos, carregado como um amuleto mágico e precioso. Trânsito semelhante estrutura a história da Pedra de Xangô, monumento natural sagrado afro-brasileiro localizado na cidade de Salvador-Bahia, no Brasil. O rochedo serviu como rota de fuga para pessoas escravizadas que, ao atravessarem sua passagem subaquática, acessavam o espaço exterior ao regime de controle senhorial.

As travessias oceânicas possibilitaram o desenvolvimento de apropriações e intercâmbios culturais nos quais a ação e o significado de substâncias migrantes se inseriram em novos contextos, ora participando da construção de culturas diaspóricas, ora gerando riqueza a grupos dominantes. A exposição se completa em outros dois espaços que materializam um pensamento e modo de operar potencializado pelo sistema extrativista colonial: o Jardim Botânico e a Farmácia. Esses dois espaços nos permitirão refletir, a partir do contexto específico da cidade de Lisboa, sobre as questões levantadas na Galeria da Boavista que relacionam-se aos processos de circulação, ritualização, transformação, comercialização e institucionalização de objetos e saberes relacionados ao mundo natural.