LIUBA


Galeria Marcelo Guarnieri
São Paulo, Brasil, 2019






Nascida na Bulgária e recém-chegada ao Brasil, LIUBA (1923 – 2005), no ano de 1950, preparava-se para apresentar sua primeira exposição individual. Tendo participado de poucas mostras coletivas na França, mas trabalhado nos cinco anos anteriores com a prestigiada escultora da Escola de Paris Germaine Richier (1904-1958), a artista faria sua estréia na Galeria Domus, uma das mais importantes de São Paulo daquela época. Criada em 1947 pelo casal de imigrantes italianos Anna Maria e Pasquale Fiocca, a Domus foi a primeira galeria na cidade a expor exclusivamente artistas modernos, não só os brasileiros como Tarsila do Amaral e Flávio de Carvalho, por exemplo, mas também os estrangeiros, alguns que vinham por conta da Guerra e outros que por aqui passavam, estabelecendo-se então como um importante ponto de encontro para intelectuais, boêmios e colecionadores. Era um tempo de transformações em São Paulo, tempo de redemocratização no Brasil, de renascimento cultural, era o início do projeto de uma “modernidade brasileira”. Entre 1947 e 1951, foram criados o Museu de Arte de São Paulo – MASP, o Museu de Arte Moderna – MAM e a Bienal de São Paulo. Havia o desejo pela internacionalização do circuito da arte que, por mais que tenha sido ensaiado na Galeria Domus, só se estabeleceu e surtiu efeito nas produções e discussões artísticas depois da 1ª Bienal. LIUBA desenvolveu seu trabalho durante um momento de importantes mudanças na arte do país, mais especificamente do eixo Rio-São Paulo. Suas esculturas de homens e mulheres expostos na Domus iriam, nos anos seguintes, sofrer semelhantes transformações, perdendo seus contornos exatos e assumindo sua natureza abstrata.

Em 1965, dentro das comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, LIUBA apresentou um conjunto de esculturas na área externa do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, naquela que seria sua primeira mostra individual em um museu. Sob o título “Terra em Transe”, as comemorações do IV Centenário pareciam integradas àquele projeto de modernidade, sendo o Aterro do Flamengo, complexo de lazer onde está localizado o MAM RJ, um de seus legados. As esculturas de LIUBA eram dispostas sobre blocos de concreto ao ar livre e dialogavam com o projeto paisagístico de Burle-Marx e com o projeto arquitetônico e urbanístico de Affonso Eduardo Reidy. “Tenho estado particularmente interessada na ligação entre escultura e arquitetura”, declarou LIUBA naquele ano. Suas formas animais e vegetais fundidas em bronze já não eram meras visitantes em nosso país, agora faziam parte da construção de uma “imagem de Brasil”.


LIUBA chegou aqui em 1949 já para estabelecer um ateliê em São Paulo, onde viviam seus pais desde o ano anterior. Durante a década de 1950, a artista transitou por diversos países da Europa, das Américas e do Norte Africano, como Egito, Algéria, Tunísia e México. A possibilidade de conhecer tantas culturas diferentes e de ter ateliês tanto no Brasil como na França, permitiu a LIUBA estar em contato com discussões diversas que afetaram diretamente o seu trabalho. Em suas primeiras obras, bustos em bronze produzidos em meados década de 1940, é perceptível a influência acadêmica de sua formação na École de Beaux Arts de Genebra. Seus estudos com Richier a aproximam de uma maneira diferente de pensar a escultura, menos preocupada com a figuração e mais interessada pela construção de significados a partir da relação entre as formas no espaço. A partir de 1954 o trabalho de LIUBA começa a se mover em direção a um “formalismo biomórfico”, segundo o crítico de arte norte-americano Sam Hunter. Tais contorções apontariam para uma tendência do meio do Século XX rumo à abstração, enquanto suas formas animalísticas afirmariam uma herança Jungiana, pensamento tão importante dentro dos círculos artísticos frequentados por ela.

“Ave Composta”, “Plant Form”, “The Wing” e “In Flight” são alguns dos títulos de suas criaturas, que em arranjos totêmicos, nos remetem a formas animais, vegetais e até humanas. “Para mim eles são animais. Mas não consigo explicar de onde eles vêm – deve ser do meu subconsciente.”, especulava LIUBA. Sam Hunter sugere distintas fontes para uma de suas formas: “A boca que aparece com tanta frequência em suas figuras dos anos sessenta até os dias atuais é altamente estilizada, transformada perturbadoramente em um desenho em forma de U que sugere uma ferramenta – um alicate, talvez, ou uma chave inglesa. Ao mesmo tempo, a boca é uma caricatura bem-humorada da boca de um predador sem mandíbulas, sugerindo uma Phyton que deixa cair a mandíbula para engolir animais maiores inteiros. Outra fonte para essa distintiva boca vem lá da pré-história das Américas, nas formas arquitetônicas quadradas das culturas Maia-Tolteca, Asteca e Inca e em suas esculturas de criaturas híbridas que são notavelmente próximas das invenções visuais do Egeu arcaico e das culturas do antigo Oriente Próximo.”

Dos anos que passou nos estúdios de Germaine Richier, LIUBA adquiriu experiência em técnicas que seguiu utilizando pelo resto de sua carreira. A artista modelava suas figuras em argila e depois usava do processo de cera perdida para criar seu fac-símile exato em gesso. Daí então ela retrabalhava a superfície do gesso para alcançar o balanço preciso dos efeitos táteis que buscava – “rugoso em algumas partes, macio em outras”, como ela dizia. Embora sempre tenham evidenciado as marcas de um trabalho manual, as texturas das superfícies de suas obras se transformaram ao longo do tempo: inicialmente mais lisas, foram tornando-se irregulares, rústicas. Algo parecido aconteceu às formas de suas criaturas, que durante a década de sessenta eram mais dinâmicas, arredondadas e pontudas, assumindo um comportamento mais assertivo em formas retilíneas na década de setenta, e mais robustas durante a década de oitenta.

De 1958 até o ano de sua morte, LIUBA trabalhou entre seus ateliês de São Paulo e Paris, vivendo alternadamente realidades distintas em um mundo ainda pouco conectado nas distâncias. No contexto de sua retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo em 1996, Emanoel Araújo, então diretor do museu, escreve: “Suas esculturas nasceram da terra para dialogar com o espaço e, como outros seres vivos, procuram a atmosfera como se precisassem de ar para respirar. […] Mesmo que suas formas lembrem pássaros cativos em pleno vôo, elas permanecem plantadas no solo.” Sua obra, “à beira da abstração”, como definiu Sam Hunter, talvez seja um pouco como foi sua vida, criando e “trocando” as raízes de muitos lás e cás.




LIUBA (1923 – 2005)

LIUBA desenvolveu em seu trabalho uma pesquisa atenciosa sobre o repertório formal dos mundos animal e vegetal e de culturas ancestrais, especialmente as sul-americanas. De 1944 a 1949 estudou com a escultora francesa Germaine Richier, primeiro na Suíça e depois em Paris, onde passou a viver e trabalhar. Em 1949 estabeleceu seu ateliê em São Paulo, mas foi só a partir de 1958 que decidiu viver entre São Paulo e Paris. Participou ativamente do circuito de arte brasileiro, sendo premiada na VII Bienal de São Paulo, em 1963 e integrando também as VIII, IX e XIII edições. Entre as décadas de 1970 e 1980 fez parte de seis edições do Panorama da Arte Brasileira realizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. Suas peças evidenciam uma lógica construtiva por meio da articulação entre cheios e vazios, contornos e ritmos, linhas e forças, explorando formas angulosas e enérgicas. O bestiário que construiu ao longo de sua produção carrega um sentido não somente mágico, como também trágico. O grande interesse que tinha a artista pela aproximação de suas esculturas à arquitetura pôde ser reconhecido em 1965, com sua individual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Seus “animais” foram dispostos nos jardins do museu, de modo que pudessem dialogar tanto com o prédio, quanto com a área verde, “retornando”, enfim àquele que parecia ser o seu habitat natural.

Suas obras integram importantes coleções públicas internacionais como a do Fond National d’Art Contemporain de Paris, do Museu de Saint-Paul de Vence na França, do Kunsthalle de Nuremberg na Alemanha, do Hakone Open Air Museum no Japão e do Musée de La Sculpture en Plein Air de La Ville de Paris; e integram também importantes coleções públicas nacionais como a do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Coleção da Bienal de São Paulo e do Museu do Artista Brasileiro em Brasília, DF.