SDDS 3404
Virada
Marlos Bakker
Marlos Bakker
16.06.2018 - 09.09.2018
28ª edição do Programa de Exposições
Centro Cultural São Paulo
São Paulo, Brasil
28ª edição do Programa de Exposições
Centro Cultural São Paulo
São Paulo, Brasil

© Marlos Bakker
SDDS 3404, 2018vídeo HD digital, 19'53''
impressão digital em papel de parede HP com cola a base d’água
Em 2014 desapareceria para sempre o Boeing 777 do voo MH370 da Malaysian Airlines. O último contato do avião com o centro de controle foi estabelecido cerca de uma hora depois da decolagem em Kuala Lumpur e a partir dali não haveria mais nenhum registro de sua localização. Durante os dois anos que sucederam o acidente, surgiriam diversas teorias que tentavam dar sentido àquele acontecimento bizarro: mísseis sigilosos, abduções alienígenas, dimensões paralelas, sequestros e atentados. Em 2017 o caso foi dado como encerrado com o fim das buscas em uma área submarina de 120.000 km2, ao sul do oceano Índico. São imagens difíceis de enxergar com nitidez essas relacionadas a máquinas que voam, sistemas de radares e buscas submarinas, talvez por isso tantas foram as teorias e tantos os pronunciamentos oficiais que se desencontravam e se desmentiam constantemente.
Em algum momento do passado, interpretamos o voo dos pássaros para adivinhar o futuro, hoje prevemos tempestades pelos serviços de meteorologia. Os aviões nos carregaram para outro continente em questão de horas e lá dentro vivemos momentos inesquecíveis: comida farta em pratarias delicadas, charutos e coquetéis, poltronas confortabilíssimas, aeromoças bem vestidas e pilotos bem humorados. Isso foi em outro tempo, saudades, mas ainda hoje o encanto permanece. Permanece misteriosa a voz do comandante, assim como permanecem impecáveis as bagagens das comissárias de bordo. O tempo de viagem encurtou, os aeroportos cresceram, desapareceram algumas companhias, encareceram novamente as passagens e agora oferecem cabines de alto luxo. O ambiente é totalmente monitorado. Tudo é imagem e todas elas podem ser resgatadas na memória quando somos surpreendidos pelo barulho do avião no céu ou por sua sombra projetada no chão.
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Os Spotters1 raramente são parte integrante desse imaginário, mas talvez o elaborem de alguma forma. O morrinho2, de onde costumam fotografar juntos, é como um ponto de encontro, uma área meio pública meio privada de onde se tem uma vista privilegiada. É um espaço de troca mais ou menos oficial, assim como são hoje os grupos de WhatsApp, assim como é o Centro Cultural São Paulo para coletivos de dança e jogadores de RPG. Diferente dos primeiros spotters da história - cidadãos encarregados de observar a movimentação de aeronaves para alertar a aproximação de bombardeiros alemães durante a II Guerra Mundial - os BRA SPOTTERS não pretendem manter-se no anonimato, constroem juntos um acervo de fotografias autorais e lutam pelo reconhecimento da atividade de plane spotting.
Como um voyeur ou detetive, Marlos Bakker se dedica a observar o comportamento humano em situações banais, quando “nada está acontecendo”, a fim de entender que tipo de imagem pode ser gerada nesses momentos. Em SDDS 3404, aproxima-se de uma comunidade pelas imagens que os próprios integrantes criam de si. Áudios, vídeos e fotografias compartilhados em um grupo de WhatsApp, fragmentos do cotidiano em média resolução, um papo de bastidores. É como se “nada estivesse acontecendo” se pensarmos que há uma sociedade de classes das imagens3 onde as mais brilhantes, bem acabadas e de maior resolução são consideradas, e as ordinárias ocupam uma segunda categoria, pois ainda não são imagens de verdade, apenas uma ideia visual.
Diferente do Instagram que já virou uma rede de portfólios pessoais e comerciais dominado pela publicidade, o WhatsApp ainda é entendido apenas como um meio de comunicação, por onde circulam mídias que são rapidamente substituídas e poderão desaparecer para sempre. Hoje já existe toda uma produção de conteúdo feita especificamente para o WhatsApp - áudios engraçados, vídeo-aulas sobre política e atualidades -, alguns sem autoria e outros com copyright. Os grupos já podem ser pensados como mais um local de produção de conhecimento e autoprodução de imagem e de alguma maneira borram as distinções entre audiência e autor. SDDS 3404 parece incorporar não só um espírito spotter na vocação colecionista e arquivista, mas também um espiríto whatsapper na maneira de contar uma história. O vídeo também nos presenteia com uma seleção das fotografias autorais dos BRA SPOTTERS e acaba por tornar-se mais uma plataforma por onde essa produção pode circular.

impressão pigmentada em papel fotográfico aplicada em acrílico de 3mm
Em voos inaugurais, costuma-se batizar os aviões sob um grande arco d’água. Subir é descolar do corpo, não assumir forma alguma de existência, transcender. O céu é o lugar do êxtase e a nuvem um acervo infinito.
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"O dublê Ju Kun posa para foto na parte de trás do novo Pinewood Studios, em Johor Bahru, Malásia. Ju Kun, cujos créditos incluem o aclamado épico de artes marciais O Grande Mestre, estava entre os passageiros do voo MH370."
1. Em tradução direta: observadores, olheiros.
2. O morrinho é um dos muitos “spotting points” (pontos de observação). Do aeroporto de Guarulhos existem outros como a cabeceira da 09, o estacionamento dos Correios, o Supermercado Atacadão ou até o estacionamento do McDonalds.
3. STEYERL, H. In Defense of the Poor Image. Em: E-Flux Journal #10 - November 2009. Disponível em < http://www.e-flux.com/journal/10/61362/in-defense-of-the-poor-image/
2. O morrinho é um dos muitos “spotting points” (pontos de observação). Do aeroporto de Guarulhos existem outros como a cabeceira da 09, o estacionamento dos Correios, o Supermercado Atacadão ou até o estacionamento do McDonalds.
3. STEYERL, H. In Defense of the Poor Image. Em: E-Flux Journal #10 - November 2009. Disponível em < http://www.e-flux.com/journal/10/61362/in-defense-of-the-poor-image/